Resumo
O texto que segue é uma contribuição para imaginar uma antropologia da abolição e das insurgências, com base na análise de casos de encarceramento, tortura e massacres ocorridos contra os Guarani e Kaiowá desde a ditadura militar brasileira e seus desdobramentos, no que se convencionou chamar de Estado Democrático de Direito. Demonstraremos que as bases deste mesmo Estado são estruturalmente racistas, a partir da análise documental e pesquisa etnográfica. O enfoque será o estudo da prisão de Leonardo de Souza, indígena Guarani Kaiowá preso em dezembro de 2018 acusado de crimes relacionados à insurreição deflagrada no contexto do Massacre de Caarapó. Discutiremos 4 processos que o enquadram. Buscaremos evidenciar, com contextualização histórica do sarambi/esparramo que acometeu territórios Kaiowá e Guarani no sul do Mato Grosso do Sul, a permanência e mobilização de dispositivos relacionados ao complexo sistema-industrial-empresarial-prisional pelo Estado brasileiro, com vistas ao sufoco de levantes indígenas pela retomada de suas terras. Uma das estratégias contra-insurgentes aqui debatida será a seletividade penal, como parte de ampla engrenagem de defesa da propriedade privada em detrimento da reprodução da vida nos Tekoha, em disputa frente ao avanço das monoculturas e das tipificações penais. Seria o Estado, afinal, hiperpresente em sua omissão?